O NESbot (foto) é, basicamente, o que Allan chama de “dispositivo de replay”. Grosso modo, funciona assim: num emulador no PC, em câmera lenta, o jogador grava um roteiro com a sequência de botões necessária para finalizar o game no menor tempo possível. O dispositivo de replay pega esse roteiro feito no PC e executa os comandos diretamente no console da Nintendo.
O processo é chamado de “verificação de console”. O TASbot, por sua vez, é uma evolução do NESbot, usando um Raspberry Pi em vez de uma placa Arduino. Além disso, ele é capaz de se comunicar também com o Super Nintendo, além do NES, e pode ser adaptado para jogar games no PC. E ainda vem com o simpático visual do R.O.B. só de capricho.
Ao contrário do que parece, porém, o TASbot não faz tudo sozinho. Afinal, parte da graça de maratonas de jogos é ver um ser humano de verdade suando para terminar o game no menor tempo possível. Por isso, em cada performance do TASbot em edições do GDQ, a programação do robô é feita e executada ali mesmo, ao vivo, na frente de uma plateia e em tempo real.
“Não há qualquer inteligência artificial acontecendo aqui”, diz Allan, diretamente de Petaluma, na Califórnia, em entrevista ao Olhar Digital. “É só um ser humano, tediosa e manualmente, tentando descobrir a sequência exata [de botões] que precisam ser pressionados antecipadamente. É tudo ao vivo, num console real, sem trapaças”, garante ele.
O TASbot é convidado sempre presente no Games Done Quick desde 2014, quando as maratonas apoiadas por software ou hardware viraram uma categoria fixa no evento. Allan faz questão de dizer que o robô é fruto de um trabalho colaborativo, e por isso as instruções e os códigos usados na criação dele estão disponíveis livremente no GitHub para quem quiser fazer um em casa.
Quem é Allan?
Allan Cecil tem 38 anos, é pai de crianças de 12 e 9 anos, é engenheiro de redes numa empresa chamada Ciena e defensor ferrenho do uso de software livre enquanto orgulhoso presidente do Grupo de Usuários do Linux da Baía do Norte, na cidade de Petaluma, Califórnia.
Além disso, ele tem um canal no Twitch (dwangoAC) em que faz transmissões ao vivo quatro vezes por semana exibindo performances do TASbot. O canal é monetizado, mas o que ele recebe de receita com os vídeos é doado para a organização Médicos Sem Fronteiras em edições do Games Done Quick. Ele não tem planos de fazer disso seu ganha-pão.
Allan conta que, na adolescência, teve que interromper os estudos por problemas financeiros na família. Conseguiu seu diploma do ensino médio por meio de um programa equivalente ao nosso “supletivo” anos mais tarde.
Ele nunca se formou em engenharia ou eletrônica, disciplinas essenciais para a criação do TASbot, embora tenha feito alguns cursos em universidades dos EUA. A paixão pela tecnologia ele resume dizendo: “eu sou um defensor do aprendizado na prática. Encontre algo que te deixa apaixonado e aprenda fazendo”.
O TASbot, para Allan, é como um monumento que ele quer deixar para a posteridade. Ele fala com orgulho sobre ser uma testemunha do nascimento da era dos videogames – momento que, para ele, mudará para sempre a história da humanidade. Por isso, Allan se dedica a explorar esta tecnologia e, mais importante, preservar produtos e equipamentos que, segundo ele, são artefatos culturais.
Para explicar sua filosofia, Allan exibe um Super Nintendo que ele guarda com carinho desde a infância. Ele conta que, recentemente, teve que substituir o processador de som da máquina para poder continuar usando o console em testes do TASbot e outros experimentos. O componente original deixou de funcionar devido à ação natural do tempo.
“Se nós já temos problemas com uma tecnologia de 25 anos atrás”, reflete Allan, “o que restará disso tudo em 1.000 anos? […] Este retrato do tempo é algo que jamais poderá ser substituído. Quando fizeram os aquedutos da Roma antiga, ninguém pensava que estariam usando aquilo 1.000 anos depois. Mas estão! Então, pense em como será olhar para trás, para este momento, 1.000 anos no futuro. Que artefatos você gostaria de ter preservados?”.
É pensando nisso que Allan, pai de dois filhos, engenheiro, hacker e defensor do software livre, se declara também um “retropreservacionista”. O que, segundo ele, também explica sua dedicação ao TASbot. “Eu sinto que, se eu não tirar um tempo para mostrar o que esta tecnologia é capaz de fazer, colocar isto num vídeo que pode ser digitalizado, arquivado e encontrado por historiadores no futuro, nós vamos perder tudo isto. E eu quero preservar este momento para as futuras gerações.”